A Metamorfose de Franz Kafka | Literatura
Demorei um pouco pra voltar, mas dessa vez venho com leitura. A quarentena, o vírus e as crises depressivas me fizeram dar atenção a um livro que precisava a muito tempo. E Franz Kafka veio me fazer companhia em dias difíceis deste ano.
Já fazia algum tempo que eu não lia, foi a cura de uma ressaca literária de anos.
"Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso."A Metamorfose é uma novela escrita por Franz Kafka, publicada pela primeira vez em 1915. Veio a ser o texto mais conhecido, estudado e citado da obra de Kafka. Apesar de ter sido publicada em 1915, foi escrita em novembro de 1912 e concluída em vinte dias.
Então Gregor acorda e está transformado num inseto monstruoso. A partir deste ponto, vemos a degradação do filho pródigo à aberração. Gregor não se apresenta no trabalho pontualmente. Sua mãe preocupada bate a sua porta, e seu filho responde que só se atrasou um pouco. Em poucas horas aparece seu Gerente questionando o porque de Gregor não ter aparecido naquele dia no emprego.
O nosso protagonista percebe que não é um sonho. Ele realmente se transformou numa coisa grotesca.
É preciso fôlego para terminar a leitura deste livro. E não é por causa das cem páginas, você termina o livro em poucas horas. O que pega aqui são as sensações que Franz nos desperta ao decorrer da leitura. A Metamorfose é intensa, crua, nojenta e cruel.
Da perspectiva de Gregor a tragédia o priva do contato humano.
Da perspectiva dos Samsa isso significa o fim do conforto.
Interpretando o livro a partir de doenças debilitantes, da depressão e da velhice; Gregor é a representação das pessoas que se transformam em monstros irreconhecíveis à suas famílias. A sensação que me deu é que Franz estava escrevendo sobre enfermidade e consequência. A deterioração de um em detrimento da rotina de outros. A condição de monstro de Gregor muda completamente os hábitos de sua família. Todos são obrigados a se adaptar.
Gregor é o provedor da casa, com pais aposentados e uma irmã jovem demais para trabalhar. Ele é o único responsável pela casa, pelos luxos e pelo conforto da família. É um homem que pensa mais nos outros do que em si mesmo. (Na minha concepção. Isso fica claro na página 23/24 quando Gregor tem que responder ao seu Gerente o porquê do atraso daquela manhã. O jovem transformado em um inseto e preocupado com seu cargo, com seus pais, com sua reputação.)
Depois de sua transformação, Gregor ainda passa pela rejeição, pela quebra de sua rotina, pela adaptação. E nada é o suficiente pra fazer seus parentes se compadecerem de sua condição. Gregor também é uma pessoa idosa que precisa de cuidados. Gregor é uma pessoa acamada. Gregor se metamorfoseia em tantas outras pessoas nessa narrativa, basta refletir em sua situação.
No mais, ao partir, Gregor é o alívio, é o fim do sofrimento de sua família. Todos se sentem aliviados e dispostos a tomarem rumos em suas vidas com a morte de Gregor.
Esquecido, abandonado, rejeitado. Ele é resumido apenas a um bicho sem sentimentos, sem alma. Ele é o peso que mantêm a família presa a uma vida de trabalho pesado, de readaptações e de frustação.
Não é agradável terminar a leitura de A Metamorfose, e talvez era assim mesmo que Kafka queira que nos sentíssemos, com amargo na boca.
"– Ele tem que ir embora! – gritou a irmã. – É o único jeito, pai. O senhor precisa se desfazer da ideia de que aquilo é Gregor. Acreditar nisso, durante tanto tempo, tem sido a nossa desgraça. Como pode ser Gregor? Se fosse, há muito tempo teria percebido que seres humanos não podem viver com um bicho como aquele. E teria partido por conta própria”
Gregor é privado de contato humano e aos poucos deixa de ser quem era. Seu quarto muda, sua vida não é a mesma. Gregor não consegue nem se alimentar. Aos poucos definha. Me parece tanto com uma metáfora para depressão que chega a doer essas páginas. A escrita de Kafka nos deixa atordoados com a situação de Gregor. A sensação é que o destino dele é um só e ninguém naquela casa parece se preocupar muito com isso.
Na visão de sua irmã, Gregor é um trabalho a mais. Ela tem que limpar seu quarto, colocar comida e trocar seu jornal. De seus pais, Gregor é apenas um monstro que vive trancado no quarto. Mal conseguem olhar pra ele.
Gregor definha dia após dia. E é isso que sua existência é resumida. Seus sonhos, seus planos, sua vida. Diminuídos a monstruosidade que ele se tornara.
Os Samsa são incapazes de lidar com a nova situação. Se adaptam como podem. Ajustam suas vidas para conseguir sustentar a casa, em vão. Existe a perspectiva da exaustão, ao cuidar de parentes nessas condições. Claramente os pais de Gregor não estavam preparados para a mudança repentina em suas rotinas. (Quem está, não é mesmo?)
O que mais me agoniou enquanto eu lia A Metamorfose era a ótica de Gregor em seu corpo de inseto. Longe do convívio familiar, de sua vida de ser quem era. É doloroso perceber isso no decorrer da leitura.
No fim, os pais de Gregor tem outra pessoa para projetar suas expectativas: a irmã.
E é o gosto que o livro deixa: pessoas definham, pessoas envelhecem, pessoas morrem. E a vida continua. E a rotina continua. E alguém tem que fazer o trabalho. E alguém tem que seguir em frente.
Versões do livro.
Uma obra impecável, sensacional e crua.
Agradeço imensamente a Kafka por ter o privilégio de conhecer sua escrita. Recomendo que leiam e que se transformem em criaturas monstruosas também.
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